quarta-feira, 9 de junho de 2010

O Rei está nu

Sergio Coelho (Ilustração de Bertall)
Todos conhecem a história criada por Hans Christian Andersen de um Rei muito tolo e vaidoso que recebeu de um espertalhão a oferta de um tecido mágico, que "só as pessoas inteligentes poderiam ver", para confeccionar as suas roupas.
O Rei, desconfiado, mas temendo que descobrissem a sua imensa burrice, convocou os seus Ministros, que também não ousam dizer que não havia tecido algum ali.
Convencido pelo espertalhão, o Rei comprou o tecido "mágico" e passou a sair completamente nu pelas ruas da cidade enquanto as pessoas, atônitas e incrédulas, achavam que eram elas as burras ou loucas, e não o Rei.De fato, há certos momentos em que as reações coletivas, pelo seu absoluto descompromisso com a realidade, os fatos e os registros existentes, nos fazem desconfiar da nossa própria inteligência e sanidade.
Fui invadido por essa sensação quando tomei conhecimento da reação da comunidade internacional por ocasião do incidente no qual as forças armadas israelenses acabaram alvejando e matando nove integrantes de uma suposta missão humanitária que se dirigia de barco à Palestina.
Israel é um país pequeno, encravado no meio de nações potencial ou efetivamente hostis, já tendo muitas delas expressado o interesse de simplesmente exterminá-lo do mapa. A preocupação do Estado de Israel com a segurança, portanto, é não somente justificável como absolutamente essencial à sua própria existência, como tem sido demonstrado ao longo do tempo, desde a sua criação.
Nesse contexto e em meio a inúmeras e constantes ameaças, o mar territorial israelense foi invadido, em 31 de maio de 2010, por um grupo supostamente imbuído de objetivos humanitários. Instados a retornar, os invasores insistiram em seguir em frente, foram abordados pelas forças de Israel e resistiram de forma violenta, iniciando um confronto que terminou com a morte de nove ocupantes da embarcação.
Até aqui, parece que poucas dúvidas podem existir quanto aos fatos. Naturalmente, as versões são distintas quanto ao que, de fato, ocorreu no interior da embarcação, e os registros insuficientes para alcançarmos a verdade com precisão absoluta, mas algumas conclusões são possíveis pela análise das imagens existentes, dentre as quais merece destaque a do soldado descendo por uma corda totalmente desprotegido e sendo violentamente atacado antes de chegar ao convés.
Além disso, as imagens registradas pelos israelenses mostram, também, claramente, os ocupantes do barco atacando com golpes de barras de ferro os soldados que ocuparam a embarcação.
A partir desses fatos e dessas imagens, disponíveis para quem quiser ver, algumas conjecturas são possíveis, e nenhuma delas, por maior que seja a má vontade do observador, aponta para o homicídio deliberado e imotivado de pessoas inocentes pelas forças israelenses.
Muito pelo contrário, a versão de Israel de que os ocupantes do barco tomaram as armas de alguns soldados e passaram a atirar parece muito mais plausível e compatível com as imagens existentes do que a das supostas vítimas, que alegam que os israelenses invadiram o barco atirando.
Apesar disso, a comunidade internacional, maciçamente, condenou Israel de forma enfática e imediata, através de medidas diplomáticas e manifestações públicas da mais extrema dureza.
Incrivelmente, não é a primeira, nem a segunda vez que isso acontece. Apesar de permanentemente ameaçados e tratados como alvo explícito de boa parte dos seus vizinhos, qualquer reação de Israel tem sido sucedida de uma mobilização internacional ardorosa e virulenta, como se a defesa de um país - qualquer país - ameaçado por todos os lados pudesse ser feita somente com diplomacia.
A história de Israel é prova concreta do seu compromisso com a diplomacia e com a negociação, mas a comunidade internacional parece que só tem olhos para buscar (ou fabricar) o deslize, o excesso.
Na história de Andersen, uma criança, um dia, apontou para o Rei e disse o que nenhum adulto teve coragem: "O Rei está nu". E só assim todos ficaram em paz com a sua alma e novamente convencidos da sua inteligência e sanidade.
Eu não sou judeu e nem israelense, mas como cidadão do mundo aguardo ansiosamente pelo dia em que alguma criança possa apontar para a questão de Israel e mostrar o que ninguém parece querer ver.

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