segunda-feira, 12 de abril de 2010

Milionário, prefeito de Jerusalém recebe salário simbólico de US$ 1 por ano

Por Marcelo Nínio - Jerusalém
Nir Barkat está ajustando o cronômetro do relógio de pulso quando a reportagem da Folha chega a seu gabinete, decorado com fotos antigas de Jerusalém, para entrevistá-lo.
"Preciso estar pronto para o próximo treino", diz o maratonista de 50 anos, que costuma ir correndo para o trabalho todos os dias, dispensando o carro oficial para cruzar os cerca de 10 km que separam sua casa da sede da Prefeitura.
Empresário bem-sucedido do setor da informática, que fez fortuna nos anos 90 desenvolvendo pioneiros programas antivírus, Barkat também abre mão de vencimentos como prefeito. Ou quase: oficialmente seu salário resume-se à quantia simbólica de U$ 1 por ano.
Mas não foi sua vitoriosa carreira nos negócios nem o espírito atlético o que chamaram a atenção quando Barkat venceu a eleição para a Prefeitura de Jerusalém, em novembro de 2008. O destaque foi o fato de ele ser um judeu secular, numa cidade cada vez mais habitada pelos ultraortodoxos.
A eleição de Barkat foi considerada um sopro de esperança para os seculares que, como ele, desejavam conter o desequilíbrio demográfico dos últimos anos em favor dos religiosos. No primeiro ano, através de programas de incentivos a jovens e estudantes, Barkat afirma que a chamada "fuga" de seculares já começou a cair.
Se no estilo de administração Barkat trouxe a modernidade para Jerusalém, no campo político ele se atém ao que há de mais conservador. Jerusalém Oriental, ocupada por Israel em 1967 e onde os palestinos esperam instalar sua capital, para Barkat é parte inseparável de Israel.
Há algumas semanas, no auge da crise entre Israel e os Estados Unidos provocada pela construção em Jerusalém Oriental, o direitista premiê Binyamin Netanyahu teve que pedir a Barkat que congelasse o projeto de um parque perto da cidade velha que prevê a demolição de casas de árabes.
Embora a política seja definida pelo governo de Netanyahu, o prefeito ocupa uma posição de extrema sensibilidade no meio da explosiva disputa por Jerusalém.
Uma de suas responsabilidades é justamente aprovar novas construções em qualquer parte de Jerusalém. E ele não parece disposto a parar os guindastes.
- Entrevista
O prefeito de Jerusalém ignora as críticas internacionais e garante que a cidade permanecerá "unificada" e sob soberania israelense.
Barkat afirma que as construções em Jerusalém Oriental vão continuar, apesar das fortes críticas recentes dos EUA, que abalaram as relações entre os dois aliados tradicionais.
Barkat rejeita o consenso internacional de que só a divisão de Jerusalém, com a instalação da capital de um futuro Estado palestino no setor oriental, possibilitará um acordo de paz. Em entrevista à Folha, em seu gabinete, ele explicou por quê.
FOLHA - A prefeitura confirmou um plano de construir 50 mil habitações em Jerusalém Oriental nos próximos 20 anos. Qual sua visão do que a cidade será em duas décadas?
NIR BARKAT - Jerusalém não é uma cidade só de seus residentes. Além de coração do povo judeu, ela é importante para mais de 3 bilhões de pessoas de diferentes fés. A vocação histórica da cidade é permanecer aberta. Minha visão é passar a receber 10 milhões de turistas por ano, cinco vezes mais do que hoje. O plano da cidade prevê que a população crescerá dos atuais 800 mil para 1 milhão em 20 anos, mantendo a proporção atual, um terço árabes e dois terços judeus.
FOLHA - Dessas novas moradias, quantas serão na parte oriental?
BARKAT - Não nos baseamos em Oriente ou Ocidente, mas na relação de 1/3 para árabes e 2/3 para judeus. No Estado de Israel, por lei, não se pode determinar a um árabe ou judeu onde ele deve viver.
FOLHA - É difícil ignorar que havia uma fronteira em 1967 e que boa parte dessa construção será na parte ocupada por Israel desde então.
BARKAT - Jerusalém tem muitas linhas. Tem a linha de 1967, de 1948, do mandato britânico, dos turcos, dos cruzados. Desde que foi destruída, há 2.000 anos, Jerusalém passou por mais de dez mãos.
FOLHA - Existe um consenso internacional em torno da fronteira de 1967, de que ela deve ser a base para um acordo com os palestinos.
BARKAT - Não há consenso. Consenso é quando as duas partes envolvidas concordam. Se o mundo, que é uma terceira parte, tem essa ou outra opinião, não quer dizer que temos que aceitar. Nos 42 anos em que Jerusalém está unificada sob administração israelense, ela jamais foi tão aberta e livre. Não havia liberdade para cristãos e judeus quando a cidade estava nas mãos árabes. A divisão é o maior erro que pode ser cometido. Jerusalém deve continuar aberta e unificada.
FOLHA - Os palestinos consideram as linhas de 1967 muito concretas e não aceitam um acordo sem ter Jerusalém Oriental como sua capital.
BARKAT - Quem impõe essa exigência impede o diálogo. É uma precondição que não tem chance de ser aceita.
FOLHA - Mesmo se esse fosse o preço da paz?
BARKAT - A pergunta não é justa. O preço da paz não pode ser esse. A paz deve vir do reconhecimento, da coexistência, da aceitação em fazer concessões. Provamos que ninguém é mais capaz que o Estado de Israel de manter a abertura e a liberdade de culto em Jerusalém. Qualquer mudança seria temerária. Veja o que ocorre em Gaza, com o domínio do Hamas. Quem garante que um acordo de paz seria respeitado?
FOLHA - Nem os EUA, principal aliado do seu país, concordam com a anexação de Jerusalém Oriental.
BARKAT - Há divergências até entre parceiros estratégicos. Mas nossos amigos no mundo precisam considerar que talvez estejam errados. Minha recomendação ao premiê é ser muito duro em relação a Jerusalém e flexível em outros assuntos.
FOLHA - As construções em Jerusalém Oriental continuarão?
BARKAT - Claro que sim. Quando o mundo fala em suspender a construção em Jerusalém Oriental, ele fala de judeus e árabes? Ou congelar só para judeus? Isso não seria legal em nenhum lugar do mundo, nem no Brasil ou nos EUA.
FOLHA - E a lei internacional? Ela proíbe construir em áreas ocupadas.
BARKAT - Tanto árabes como judeus constróem lá. Além disso, ocupado de quem? Jamais houve um Estado palestino. Por outro lado, houve mil anos de história judia em Jerusalém.

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