quarta-feira, 24 de março de 2010

O Futuro de Israel

Folha On Line 22/03/2010

Cinco palavras: fronteiras, refugiados, Jerusalém, terrorismo e Irã. Falar do conflito palestino-israelense é falar dessas cinco palavras. Elas são, em resumo, os cinco obstáculos para qualquer paz duradoura entre árabes e judeus.

Quais serão as fronteiras dos dois estados? O que fazer com os "refugiados" palestinos (e com os filhos dos filhos dos refugiados palestinos das guerras de 1948 e 1967)? Como partilhar Jerusalém entre os dois povos, partindo do pressuposto de que Jerusalém é partilhável? Como desarmar os grupos terroristas que operam em Gaza ou no sul do Líbano? E como lidar com a ameaça iraniana, que procura a bomba e, naturalmente, treina e arma o Hamas e o Hezbollah?

Cada um desses cinco obstáculos chega e sobra para enlouquecer qualquer diplomata.

Primeiro: a comunidade internacional exige que Israel recue para as fronteiras de 1967 (grosso modo); mas há quem exija que o recuo seja maior (para as fronteiras de 1949); para não falar dos extremistas que exigem um recuo total: para o Mar Mediterrânico.

Segundo: a guerra de 1947-48 deslocou entre 500 mil a 900 mil refugiados palestinos. O historiador Benny Morris, um "expert" do problema, fala em 700 mil.

Independentemente de sabermos quem foi responsável pelo êxodo maciço dos palestinos (opinião pessoal: foram ambos, em graus diferentes), a verdade é que os 700 mil refugiados iniciais são hoje 4 milhões. Aceitar o regresso de milhões de árabes a Israel, essa velha exigência de Arafat (que arruinou os acordos de Camp David, 2000), seria o fim de Israel.

Terceiro: Jerusalém. Na história do conflito, parece ser consensual uma ideia: Jerusalém é de ambos os povos, ou não é de ninguém. Segundo o plano de partição da Comissão Peel, de 1937, Jerusalém estaria sob alçada internacional; igual proposta seria repetida pelo plano de partição das Nações Unidas de 1947. Moral da história: os judeus aceitaram as propostas de 1937 e 1947; os árabes recusaram-nas.

Hoje, a comunidade internacional entende que Jerusalém deve ser uma capital dividida entre judeus e árabes. É difícil convencer as duas partes do negócio, apesar de Ehud Barak, em 2000, ter acatado a proposta. Arafat recusou-a.

Quarto e quinto: falar do Hamas ou do Hezbollah é, na verdade, falar do Irã, a maior ameaça para o Oriente Médio e, sobretudo, para Israel. Mas como lidar com um estado teocrático que, segundo estimativas otimistas, terá a bomba nos próximos 18 meses?

Um ataque militar israelense não está excluído. A comunidade internacional prefere sanções econômicas pesadas ao regime de Teerã. Improvável. A China e a Rússia opõem-se a elas por interesses econômicos. Mas surpreendente é ver as posições da Turquia e do Brasil, dispostas a proteger o regime iraniano. Será que o Brasil acredita que terá um lugar permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas comportando-se dessa forma?

Repito: fronteiras, refugiados, Jerusalém, terrorismo e Irã. Falar do conflito palestino-israelense é falar dessas cinco palavras. Elas são, em resumo, os cinco obstáculos para qualquer paz duradoura entre árabes e judeus.

Acontece, porém, que existe uma sexta palavra que pode dar um contributo. Ou, pelo menos, um sentido de perspectiva. Demografia. A existência de dois estados não é apenas um ato de justiça para os palestinos, mesmo sabendo como eles sempre recusaram esse estado nas diferentes propostas de partição ao longo da história.

Dois estados são uma necessidade de sobrevivência para Israel, que não poderá governar uma crescente população árabe dentro das suas portas sem colocar em risco o próprio caráter judaico de Israel. Um estado palestino capaz de cuidar dos palestinos é condição vital para que Israel continue a ser Israel.

É por isso que a persistência do governo israelense em construir habitações na parte oriental de Jerusalém não é apenas um erro diplomático, que ensombrou as relações com os Estados Unidos. É um gesto inútil. Se é do interesse de Israel um estado palestino que cuide dos palestinos, esse estado só existirá pela partilha de Jerusalém.

E não basta que o premiê Binyamin Netanyahu tenha prometido, em 2009, parar qualquer construção israelense na Cisjordânia. Um estado palestino não se fará apenas com um regresso israelense às fronteiras de 1967; parte de Jerusalém também estará no pacote da despedida. Não há ilusões sobre isso.

Barack Obama faz bem em não transigir com a construção de mais habitações judaicas na parte oriental de Jerusalém. Mas Barack Obama faz mal se pensa que a dureza pública da sua retórica contra Israel é o caminho certo para aplacar a fúria dos árabes palestinos (que regressaram à violência); ou, mais perversamente, uma forma indireta de afastar Netanyahu do poder e, à semelhança do que sucedeu em 1999, trazer um "moderado" para o governo.

Os israelenses continuam a apoiar Netanyahu de forma impressionante, o que não admira: depois da experiência traumática da retirada de Gaza, jamais Israel cederá um milímetro de terra sem a certeza absoluta de que o território desocupado não será rampa de lançamento de foguetes.

Obama tem um primeiro-ministro eleito e apoiado pela maioria dos israelenses: deve entender-se com ele. Netanyahu sabe que Jerusalém não será integralmente judaica no futuro: deve refrear a construção em território que, a prazo, não será mais de Israel. E os palestinos?

Confesso que, 62 anos depois da fundação do estado judaico, tenho poucas esperanças sobre o pragmatismo árabe. Mas quando o momento da verdade chegar, convém que não existam desculpas. E que a tragédia dos palestinos seja apenas, como sempre foi, um produto irresponsável das suas irresponsáveis lideranças.

João Pereira Coutinho, 33, é colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

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