terça-feira, 23 de junho de 2009

ENEM - Quem precisa de alunos judeus?

Neste ano o governo federal tomou medidas unilaterais em relação ao ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio. Desde que foi criado ocorria em uma etapa aos domingos, normalmente o último de agosto. De repente o ENEM passa a ter duas partes, uma no sábado e outra no domingo, 3 e 4 de outubro (Sucot). Caindo no sábado cria um problema de uma atividade obrigatória para judeus e adventistas do sétimo dia, observantes do sábado como dia de descanso.

Se fosse apenas isso, não haveria problema algum. O ENEM não é obrigatório e nunca foi. Ao longo dos anos, muitas faculdades particulares pressionadas por inadimplência e redução de custos passou a aceitar a nota do ENEM como nota para acesso aos seus cursos. Isso sempre foi e continua sendo OPCIONAL. Se o aluno quiser passar pelo processo seletivo normal destas universidades é só ir na secretaria. Algumas tem provas aplicadas em várias datas e horários diferentes para atender a todos. Outras funcionam que nem o Detran: você chega lá, senta no computador, preenche a prova e recebe o resultado na hora - se passar e quiser, se matricula logo (o que na minha opinião é o melhor método). Em outras ainda, o concurso se reduziu a uma redação e uma entrevista, com a comprovação de que o aluno pode pagar as mensalidades.

Se fosse apenas isso, não haveria problema algum. Mas os reitores da universidades federais apenas, cujo cheque é assinado pelo mesmo patrão (deveria ser o povo, mas não é...), também em decisões unilaterais resolveram adotar a nota do ENEM como a primeira fase de seus vestibulares, não oferecendo outra alternativa aos alunos. E aí, tudo está errado perante as leis brasileiras. Mais uma vez escalões do Estado atropelam os valores mais fundamentais da Constituição como o direito de liberdade de crença e culto, onde entende-se o culto como o exercício prático da crença. Se há grupos religiosos que não podem, por motivos de crença, trabalhar, estudar, se deslocar e mesmo escrever no sábado e o Estado os obriga a isso, está violando a Constituição.

Essa decisão da mudança do ENEM que atinge toda a sociedade brasileira é de cima para baixo, sem qualquer consulta à população que é a única atingida realmente pelas mudanças. O Ministério da Educação comemora as adesões à "obrigatoriedade do ENEM" e um mapa atualizado das entidades de ensino pode ser encontrado em http://www.enem.inep.gov.br/mapa_de_adesao.php. No Rio de Janeiro aderiram UFF, UNIRIO, UFRJ e Rural. Em São Paulo as Federais de SP, do ABC e de São Carlos. Bom, é só ver o mapa e você vai encontrar todas as universidades federais aderidas e até se surpreender de que há 11 delas em Minas Gerais...

Também é um dos direitos constitucionais fundamentais do cidadão brasileiro de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em função da Lei. ENEM não é Lei - ele foi estabelecido por portarias do Ministério da Educação. Marcação de provas do Vestibular das federais também não são lei, são calendário interno. Portanto, obrigar as pessoas a violar sua crença religiosa sem que haja uma lei que determine isso é ilegal e viola nossa Constituição. Se houver lei, calo minha boca.

Enquanto as provas eram realizadas aos domingos não havia problema algum Vivemos num país de maioria cristã onde o domingo é guardado, mas sem regras de restrição como no sábado judaico. Aliás o ENEM nem atrapalha a missa, pois a prova é a uma da tarde... Nós judeus, somos uma minoria muito pequena no seio da população. Mas as leis de direitos estão aí para garantir os direitos de todos os cidadãos e proteger as minorias de um rolo compressor da maioria. Nós judeus, sabemos muito bem como esse rolo passa, tritura e queima.

O ENEM era apenas uma prova de referência e avaliação DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO MÉDIO e não dos alunos, criando parâmetros para o Ministério da Educação traçar políticas. Era opcional. Vozes isoladas sempre se posicionaram contra ele dizendo que vinha coisa mais à frente: e veio. Agora se tornou obrigatório sem lei que o ampare. Mas na verdade não é obrigatório. Se não quiser fazer, não faça! Abdique de seu direito de cidadão de pleitear uma vaga nas universidade federais que não dão aulas aos sábados. Para que se precisa de alunos judeus nestas instituições...

José Roitberg - jornalista

8 comentários:

  1. Anuê do Canto Palma27 junho, 2009

    Olá. Gostei muito desse comentário, pois comumgo com ele.

    Achei interessante a propositura do debate, sobremaneira pq é um tema deveras polêmico.
    Eu fiz o meu TCC focando na problemática específica do acesso à cargos públicos pelos adventistas do sétimo dia com em foque na problemática do caso de provas que venham a cair no sábado.
    Se quiserem ter uma noção da exposição e fundamentação jurídica que dá supedâneo ao pretendido exercício desse direito é só dar uma conferida nesse link.

    http://www.pucrs.br/direito/graduacao/tc/tccII/trabalhos2007_1/anue_canto.pdf

    O trabalho ficou bem sucinto, mas o capítulo 2 foca bem no aspecto constitucional que dá guarida ao direito dos crentes adventistas do sétimo dia e Judeus. O fundamento constitucional é aproveitado para os judeus tb, pois possuem a mesma crença religiosa, a saber, guarda do sábado bíblico (natural).
    abraços
    ps: digam o que acharam do arquivo
    :D

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  2. Gostaria do e-mail do Sr. Anuê. Parabéns pelas matérias. Nelti - Assessor Jurídico do Deputado Artagão - Curitiba - Paraná - Brasil.

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  3. Respondendo a solicitação supra...
    meu email é anue@pop.com.br

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  4. Anuê do Canto Palma10 agosto, 2009

    Olá Dr. Nelti.
    Os meus emails para contatos são anuepalma@hotmail.com e anue@pop.com.br
    abraço

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  5. Olha... eu não tinha pensado sobre o fato das novas regras do Enem terem sido implantadas de modo unilateral.

    Porém, não concordo com a opinião dada. Diversos concursos e vestibulares são realizados no domingo pela manhã. Vou na igreja católica, e os horários coincidem com os das missas. Existe uma missa no sábado de noite, que é para esses casos específicos. Mas eu também poderia faltar às duas missas, não haveria problema.

    Agora vejo estudantes judeus pedindo o adiamenteo do Enem, que já foi adiado. Você fala sobre a maioria oprimindo a minoria, evocando fatos históricos trágicos... Mas a minoria não deveria se adequar, para não comprometer a maioria? Quando somos excessivamente inflexíveis, prejudicamos o próximo. Nesse caso, o enem adiado bateria com datas de outros vestibulares, ou de compromissos já marcados.
    Numa democracia, temos que fazer escolhas, e as vezes é inevitável prejudicar um certo grupo de pessoas. Então a opção é pelo dano menor.
    Uma opção foi oferecida, pelo que vi... os religiosos sabáticos poderiam fazer a prova de noite, mas teriam que passar o dia no local.
    É uma alternativa. Mas já existem alunos judeus reclamando e recorrendo à justiça.
    Assim fica difícil, não?

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  6. só dando um esclarecimento
    o problema do sábado é que a religião judaica tem regras rigorosas quanto a esse dia que vai do anoitecer de sexta até o por do sol de sábado. Isso é intransfirível e não pode ser realizado em outro dia ou hora. Não se pode escrever, acender luz, andar de carro e etc...

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  7. Muito lúcido seu texto e esclarecedor. Tenho sabido desses fatos mencionados pela imprensa; mas a voz de um judeu tornou as questões mais nítidas para mim.
    Parabéns pela qualidade do texto e argumentação.

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  8. Existe um problema mais grave no que diz respeito ao judeus. No exílio, ao exigir os direitos de liberdade religiosa, lá na frente, Israel será precionado a aceitar regras multi-religiosas e sabe-se que, na Terra de Israel isso seria preocupante, no mínimo. sabemos que Israel precisa caminhar para ser a Terra Sagrada e isto significa não haver presença de outras religiões. A questão portanto, não envolve apenas os judeus daqui, mas os de lá também. Acho que a decisão do Supremo foi um retrocesso, aliás o segundo -até 200 anos atrás o STF decidia as extradições...agora é privilégio pessoal do Presidente...Já que se dá quotas por raça, por que não estabelecer regras paras religiões? É democrático, pacífico, respeitoso. Atitudes como o do STF, faz com que se pense realísticamente em alíá, ao menos para os netos torna-se preciso pensar seriamente. Acho que é ae acho que deve envolver toda a sociedade brasileira. Pois, retrocessos na Lei, são causas de todo tipo de injustiças.

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